Mário Trindade, nas suas próprias palavras...
 
Nome: Mário Miguel Pereira Trindade
Data de Nascimento: 25/05/1975
 
 
Se soubessem o jeitinho que tenho para contar histórias...
 
 
Vou pura e simplesmente transpor para esta página os passos dados até ao dia de hoje. Como costumo dizer aos meus amigos: "eu nasci duas vezes!" (mais à frente irão perceber porque o digo…).
 
Como todas as pessoas, nasci, fui bebé, criança e agora sou adulto. Ainda em bebé, os meus pais notaram que eu era diferente dos outros meninos, chorava muito e na altura de começar a andar, não o fiz. Foi então que me levaram aos médicos. Diagnosticaram-me uma escoliose. Andei em tratamentos, usei um colete mas não deu para corrigir. A única solução apontada para o meu problema era ser operado, mas teria que esperar pela idade adulta. Fui crescendo com uma rotina diária igual à dos outros meninos: aos 6 anos entrei para a escola, fiz amigos, aprendi a ler e escrever. Aos nove anos sofri a perda do meu pai. Não foi fácil ultrapassar esta situação, pois era muito chegado a ele. Mas a vida é mesmo assim, não é?!... Temos que continuar o nosso caminho.
 
Aos 12 anos entrei para o 2.º ciclo. Foi aí que descobri o gosto que tinha por desporto, especialmente pelo atletismo. Formei uma equipa de quatro amigos, onde participávamos nas provas da nossa cidade - Vila Real. Os resultados eram muito bons, ao ponto de conseguirmos várias vezes um 1º lugar.

Aos 14 anos terminei o 2.º ciclo e fui trabalhar com o meu irmão como carpinteiro. Foi também ele que no Natal de 1989 me ofereceu uma bicicleta. Já nessa altura, além do atletismo, praticava também ciclismo.

Durante o dia trabalhava, ao final da tarde fazia treinos de bicicleta ou a pé e à noite estudava para fazer o 9º ano. Continuei assim até aos meus dezassete anos. Foi nessa altura que tive de parar de fazer todas estas atividades, pois a minha escoliose estava muito mais avançada e já sentia grandes dificuldades em respirar.

Devido a esta insuficiência, fui internado no Hospital de São João, no Porto, durante 2 meses. Era chegada a altura da operação que corrigiria o meu problema. Fiz todos os exames necessários e os médicos apesar de me dizerem que era uma cirurgia complicada deram-me 99,9% de probabilidades de ficar com a coluna direita e sem quaisquer problemas respiratórios.

Fui operado. Quando acordei já tinham passado 2 dias após a minha saída do bloco operatório. Algo não estava bem! Não sentia as pernas, não as conseguia mexer… Prontamente chamei os médicos que me informaram que a cirurgia a que havia sido submetido e que tinha grandes probabilidades de correr bem, afinal não tinha corrido como previsto. Foi um pesadelo para mim…
 
Estive deitado durante cinco semanas sem me mexer e é neste período da minha vida que eu sinto ter voltado a “nascer”.

Tornei a ser bebé… e tudo começou de novo… tudo o que havia aprendido até aqui parecia escondido no meu subconsciente. Até as tarefas mais simples como: comer, fazer a higiene diária, tinham que ser feitas com a ajuda de terceiros.

Passaram-se 2 meses chegando o momento em que iria experimentar uma cadeira de rodas pela primeira vez. Mais uma vez com a ajuda dos enfermeiros, claro. Eu nem sequer conseguia sentar-me na cama, quanto mais passar desta para a cadeira de rodas. Impossível.

Estive internado no Hospital de São João sensivelmente um ano e uma semana. Durante todo este tempo fui fazendo alguma reabilitação para ganhar alguma independência, mas não era o suficiente.

 Fui então transferido para o Centro de Reabilitação de Alcoitão. Médicos e fisioterapeutas mandaram-me fazer vários aparelhos com o objetivo de tentar fazer os movimentos necessários para andar. Nunca pensei, aos 19 anos, ouvir: “tem-tem”, “isso, força, tu consegues ficar de pé, faz força, avança o pé direito, vamos tu consegues…”. E consegui… Com a ajuda dos aparelhos e de um andarilho consegui voltar a andar. Embora com muito esforço, consegui caminhar 200 a 300 metros. As dores que sentia eram enormes e chegando até a chorar, mas a vontade de estar em pé e caminhar de novo era tão grande que nada nem ninguém me deteriam. Todos os dias realizava este treino e todos os dias as dores me acompanhavam. O que eu sentia não era em vão.
 
Provou-se que era uma anca gasta, ou seja, uma luxação.
 
Mais exames realizados, e finalmente o veredicto dos médicos - não podia pôr-me de pé, nem mesmo com ajuda dos aparelhos. Teria de, mais uma vez, ser operado, desta vez à anca. Não me deram certezas. Não sabiam se depois poderia voltar ou não a pôr-me de pé. Deram-me a oportunidade de optar: arriscar a operar ou não voltar a andar.
 
Foi a decisão mais difícil da minha vida: “Ficar para sempre numa cadeira de rodas ou esperar um milagre na operação!”. Em conversa com os médicos e após muitas pesquisas, aconselharam-me a não operar. Eu aceitei a decisão.

Iniciou-se outro trabalho: ser independente numa cadeira de rodas. Este sim, um trabalho muito bem-sucedido. Após nove meses em Alcoitão estava preparado para refazer a minha vida.

Mas não se revelou tarefa fácil. Enfrentar uma sociedade que olhava para mim como alguém diferente, e me fazia sentir um “bicho-de-sete-cabeças” que pertencia a outro mundo era missão complicada. Afinal de contas eu era simplesmente um jovem numa cadeira de rodas e com vontade de viver a vida como qualquer outra pessoa.
 
De regresso a casa matriculei-me na escola preparatória Diogo Cão. Queria fazer mais uns anos de escolaridade pois antes de ser operado apenas tinha concluído o 6.º ano. Não aguentei muito tempo por lá. A diferença de idades era muito grande. Nessa altura eu tinha 20 anos e a média de idades dos meus colegas era 11, 12 anos. Deixei de estudar.
 
 

Fui trabalhar para um salão de jogos, num centro comercial perto de minha casa, onde me mantive durante 5 anos. Arrisquei a sorte e aluguei um clube de vídeo no mesmo centro comercial. Não tinha transporte próprio e precisava de deslocar-me ao Porto onde os vídeos eram mais baratos.
 
Consegui mantê-lo por um ano mas a minha falta de mobilidade prejudicou-me o negócio.
 
Fiquei sem ocupação até ao dia que conheci uma pessoa também deficiente. Era dirigente de uma associação de deficientes e convidou-me para ser sócio. Assim passaria a fazer parte da associação e de uma equipa de basquetebol. Entrei então para a equipa dessa Associação onde permanecemos no Campeonato Nacional e Taça de Portugal por 5 anos.

No ano de 2000 fui chamado para os estágios da Seleção Nacional de Basquetebol em cadeira de rodas e até 2002 fiz parte da nossa Seleção.
 
Através desta associação tirei também o curso de auxiliar administrativo informático no Instituto de Formação Profissional de Vila Real. Quando acabei procurei emprego mas não foi fácil encontrar essa oportunidade. Surgiu. Durante 4 anos fui secretário (voluntário) da Associação de Deficientes Motores Transmontanos.
 
Em 2001 surgiu também a oportunidade de fazer um programa musical numa rádio local juntamente com o meu amigo Victor Monteiro professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Foi igualmente através dele que surgiu o convite para secretário do Gabinete de Atividade Motora da mesma Universidade, onde trabalhei até 2004.
 
Mas como meu desporto favorito manteve-se o atletismo. Não é fácil em Portugal praticar atletismo em cadeira de rodas, pois faltam os apoios. Sou no entanto uma pessoa que facilmente faz amigos. No basquetebol abriram-se muitas portas e conheci muita gente, entre eles amigos na Associação de Deficientes de Braga que tinha atletismo em cadeira de rodas.
 
Emprestaram-me uma cadeira já velhinha mas ainda operacional e comecei a minha prática desportiva. Faltava-me um treinador. Com o meu trabalho na UTAD facilmente cheguei Professora de Atletismo Eduarda Coelho que prontamente se disponibilizou a treinar-me. Durante um ano, andei com esta cadeira. Treinava, fazia provas de pista e de estrada, até que percebi que com a minha cadeira velhinha não conseguiria chegar onde pretendia.
 
No verão de 2004 quando trabalhava na receção do ginásio Aqua Fit Club, chegou ao conhecimento da direção o meu interesse pelo atletismo. Prontamente se prestaram a ajudar.
 
Brevemente iria ser organizada uma gala, com o intuito de dar a conhecer as atividades desenvolvidas pelo ginásio. Aproveitando o evento a direção propôs-me usar o dinheiro do bilhete à entrada para a compra de uma nova cadeira. Fiquei radiante com a ideia, não contava com tão grande presente. Fez-se uma notícia para um jornal e através dessa mesma notícia um canal de televisão tomou conhecimento do meu caso prestando-se também a ajudar. Foi feita uma reportagem onde se deram a conhecer as minhas principais necessidades.

Mas o dinheiro angariado na gala não chegou para a compra da cadeira. Foi no entanto um excelente começo. O canal de televisão voltou a fazer uma nova reportagem com o objetivo de arranjar um patrocínio para a compra da cadeira. Mal a notícia foi para o ar o meu telemóvel não parou mais de tocar. Amigos a dar os parabéns, força e coragem, e... Inexplicavelmente um senhor, que ainda não tive o prazer de conhecer, e que simplesmente me ligou para dizer que me pagava a cadeira sem querer nada em troca. Fiquei sem palavras. Quase no mesmo momento o Presidente do Automóvel Clube de Portugal telefonou para o canal de televisão a oferecer também a cadeira.

Eu estava em viagem e alienado de tudo o que se estava a passar. Mais tarde cheguei a acordo com o Presidente do ACP para me pagar as viagens e alojamento na Alemanha onde iria comprar a cadeira. Não só me pagaram tudo como fizeram todas as marcações, tendo o cuidado de pôr pessoas à minha chegada e em todas as minhas deslocações para me ajudarem.

Uma vez que tudo estava marcado, e nessa mesma semana decorria a maratona de Berlin uma das melhores a nível mundial, não podia perder essa oportunidade de competir numa das melhores provas mundiais.

Fui então mais a minha treinadora, estivemos 6 dias na cidade de Heidelberg, onde foram tiradas as medidas e foi feita a cadeira, depois dos engenheiros me terem dito que estada tudo ok, partimos então para Berlin, para participar na maratona, ainda com a cadeira antiga pois a nova viria dias depois para Portugal.

No dia da prova estava mau tempo, muito frio, chuva e eu não me dou muito bem com baixas temperaturas, mas com a excitação de competir numa prova de tao elevado nível, isso quase que passava despercebido, lá começou a prova, e de 5 em 5 km, lá estava a treinadora a controlar os tempos e dar-me indicações, e até aos 20 km foi tudo dentro do planeado, mas entre os 20km e 25 com a chuva que cai-a, os meus pés escorregaram do suporte, com o bater no chão parti a perna esquerda, senti dores, mas acho que não mais das que já levava tinha feito 20 e poucos kms e ia roxo de tanto frio, ali parado a tentar compor os pés com a ajuda de um senhor que estava assistir, ainda pensei vou desistir, mas aquela prova tem cerca de 40 mil pessoas a correr só depois vem as ambulâncias para apanhar quem desiste… eu estava completamente gelado e ia ter que ficar parado a espera que passassem essas pessoas todas para depois ter apoio, resolvi então continuar, lá agradeci ao senhor e continuei, ao passar aos 25kms pela treinadora ela grita “então que se passou vens tão atrasado” ao que eu disse cai, isto sempre em andamento, e assim continuei até ao final, cortei a meta com 2h43 minutos, foi entrar na ambulância e onde tive os primeiros curativos, e de seguida fui para o hospital, onde dei conta que parti a perna junto ao joelho.
 
 
 
De regresso a Portugal 3 messes de recuperação, e a cadeira nova que eu tinha agora já não podia ser para usar a posição para a qual ela tinha sido feita, alterei a posição da perna e foi treinar para as próximas competições.
 
Em 2006, graças ao trabalho e dedicação tornei-me recordista nacional das distancias de 100 e 200 metros na classe T53, recordes esses que ainda se mantem até hoje.

Em 2007, conheci duas amigas num fórum de deficiência onde era moderador, elas tem osteogéneses imperfeita, e contaram-me que o sonho delas era ter uma carrinha, para poderem sair de casa, como não tinha dinheiro para realizar esse sonho e uma vez que a modalidade de atletismo em cadeira de rodas precisa de ser divulgada, lembrei-me de bater um recorde do Guinness Book, para divulgar a modalidade e conseguir apoio para comprar a carrinha.

Falei com a minha treinadora da ideia ela apesar de achar que era muito “puxado” e desgastante, quando viu a minha vontade de levar para a frente apoiou totalmente, organizamos tudo e no dia 3 de Dezembro de 2007, dia internacional das pessoas com deficiência lá fui para a pista da UTAD, eu  e mais umas dezenas de pessoas que se juntaram a mim para que tudo corre-se pelo melhor, não vou referir nomes de ninguém pois poderia correr o risco de me esquecer de algum, era 5:00h da manhã quando dei inicio a longa caminha, e logo pela manhã já tinha garantido a carrinha para entregar as minhas amigas, mas eu tinha-me proposto a 4 objetivos, carrinha, divulgar a modalidade e chamar atenção da nossa sociedade para a falta de apoio para com as pessoas portadoras de deficiência, em relação ao desporto, emprego, barreiras arquitetónicas, coisas que em nada ajuda uma integração e claro o recorde do Guinness, para isso teria que fazer 181,147 metros, e passado 18h53 minutos de ter começado o recorde estava batido, ficando em 183,400 metros, muito poderia dizer sobre este dias mas no menu Recorde Guiness, tem um relato de um amigo meu, e na Multimédia, tem fotos e vídeos que falam por si.
 
Em 2008, tive um amigo que convidou para fazer a peregrinação de Vila Real a Fátima, e claro que aceitei, não fosse eu uma pessoa que adora desafios, organizei tudo desde casa, hotéis, restaurantes, planei as etapas, consegui apoios, saímos de Vila Real no dia 2 de Maio, e o planeamento era para fazer os cerca de 250kms em 7 dias duas etapas por dia uma de manhã e outra de tarde, tivemos sempre acompanhamento dos bombeiros das cidade por onde íamos passando que se iam revessando na próxima cidade, mas uma iniciativa que ajudou a divulgar a modalidade, e a chamar uma vez mais a atenção das nossa sociedade para as dificuldades das pessoas portadoras de deficiência.

Em 2008 também e após tantas vezes solicitar apoio para esta modalidade sem ser dado, eu e mais um grupo de amigos fundamos a ANACR, Associação Nacional de Atletismo em Cadeira de Rodas, com o objetivo de apoiar os atletas e incentivar novos, embora ainda muito aja a fazer, temos vindo a trabalhar para dar cada vez mais força ao atletismo em cadeira de rodas.

Para além destas atividades e também com a minha disponibilidade para ir a escolas desde o 1º ciclo até as universidades dar o meu testemunho de vida, onde já fui a mais de 40 escolas a nível nacional algumas mais que uma vez, continuei a minha competição, em provas de estrada e de pista, ao mesmo tempo que ia solicitando por uma nova classificação pois na classe em que estava T53, já mais conseguiria fazer mínimos para representar Portugal, em um Campeonato da Europa/Mundo muito menos nos Jogos Paraolímpicos, mas nunca me foi dada essa oportunidade, senti que estava a perder as forças para continuar a lutar por uma modalidade que a mim não me davam se quer o básico uma justa classificação para poder competir com pessoas com uma deficiência idêntica a minha, esmoreci mas não desisti.
 
Em 2013, foi me dada a oportunidade de ir aos Jogos Mundiais da IWAS, onde poderia ser classificado, e iria também competir nas provas de 100, 200 e 400 metros, sem dúvida que o objetivo era a classificação, pois a continuar na T53 nunca iria conseguir um bom resultado.
 
No dia 14 de Setembro fui então para a Holanda, para a cidade de Stadskanaal, onde iriam decorrer os jogos, dia 16 fui submetido a classificação e deram-me razão ao colocarem-me na classe T52, agora sim estou a competir com pessoas com uma deficiência idêntica a minha.

Dia 18 a primeira prova, os 100 metros correram-me mal, no dia em que cheguei a Holanda, à saída do aeroporto um senhor caiu por cima da minha cadeira empenando a forqueta, e eu não dei conta até ao momento da prova, daí ter feito um mau tempo. Após a prova tentei remediar a cadeira com fita-cola e lenços de papel, pois no dia a seguir tinha os 200 metros, embora não ficasse bem sempre estava melhor um pouco e deu para conseguir ficar em 3º lugar Medalha de Bronze, no dia seguinte os 400 metros, fui desclassificado pois os lenços de papel cederam, saí do meu corredor duas vezes e fui desclassificado pelos juízes.

Mas o resultado foi mais que positivo. Graças ao Facebook, ia relatando as coisas que me iam acontecendo, e um amigo meu, moderador do fórum do poker PT ao ver o que me tinha acontecido à cadeira entrou em contato comigo, para me ajudar, perguntou-me se podia falar com alguns jogadores de poker e entre eles conseguir a verba para uma cadeira nova, é claro que disse que sim, pois agora com a classificação nova, mas sem cadeira, não ia ser fácil.

Quando cheguei a Portugal ele já tinha a ideia montada, passou a palavra e rapidamente se juntaram jogadores das comunidades prontos para ajudar, para além do poker PT, juntou-se a comunidade futpoker, e intellipoker, jogadores profissionais e amadores todos eles contribuíram para a cadeira nova, verba essa que foi conseguida em poucos dias, podem ver o vídeo da entrega simbólica do cheque, no programa “Querida Júlia” que está no separador multimédia, a cadeira nova deve chegar para o final de Novembro, depois é trabalhar para alcançar os objetivos.
 
Nunca me irei esquecer de tudo e de todos os que têm estado sempre a meu lado.

Resta-me agradecer a todas as pessoas que me ajudaram e que continuam a ajudar. Sem elas não seria possível continuar a dar asas ao meu sonho.  A todos o meu muito obrigado.
 

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